terça-feira, dezembro 26, 2006

DILACERADOS

Acho que estou encontrando algumas coisas interessantes no meu baú de lembranças... Estava pesquisando em meus arquivos a cronologia das peças que escrevi e encontrei mais um conto que gosto muito, mas não me lembrava que havia escrito. Bom, o título do conto é "Dilacerados". Gostei tanto que o adaptei para um roteiro de curta-metragem... É um tanto triste, talvez meio pessimista... mas possui uma estética que me acompanhou por um bom tempo...
Assim, antes de eu voltar a falar de minhas peças, estejam convidados a conhecer mais um conto meu... "Dilacerados"...

Dilacerados

Era oito e meia da noite e ele havia acabado de sair do bar. Não poderia afirmar que não bebera, mas, com toda a certeza, seria inocentado num teste do bafômetro. A bem da verdade, tinha ingerido apenas duas ou três latas de cerveja... sem álcool. Sabia que iria dirigir e, por hábito, nunca bebia nessas ocasiões.
Ao cruzar uma grande avenida da cidade pôde verificar, através de seu retrovisor, que havia uma pessoa caída no meio do canteiro central da pista. Mais do que depressa, deu meia volta em seu carro e retornou para verificar o que estava acontecendo.
Quando parou o carro, sentiu um enorme calafrio. Por alguns instantes perdeu os sentidos e quase caiu. Apoiou-se numa árvore e logo que melhorou voltou a se dirigir à pessoa que estava caída. Caminhou mais treze passos e, num sutil movimento de se abaixar, reconheceu imediatamente a pessoa que estava morta ao seu lado.
Sim, estava morta e esse fato era irrevogável. Quando tocou o rosto dela e virou-o para si, seus olhos estavam sangrando como uma cachoeira. A pessoa que cometeu crime tão bárbaro fez questão de fazê-la sofrer. Havia dois cortes paralelos em sua face, começavam na testa percorrendo um trajeto linear até abaixo da bochecha.
Não gritou, não conseguiu! Abraçou-a com uma força descomunal e, naquele momento, seu único pensamento foi morrer junto com ela. Seu corpo frio lhe causou uma dor até então nunca sentida. A impotência diante da morte acabou com tudo.
Sem saber o que fazer, levantou-se e pegou-a no colo. Foi caminhando pela avenida cheia de carros e, naquele momento, nada mais lhe importava. Os sons das buzinas eram inaudíveis para ele. Tomou a pista central da avenida e continuou sua caminhada em direção a lugar nenhum.
Uma cena apavorante. Algumas pessoas passavam bem próximas a ele e xingavam sem perdão. Reduziam a marcha e, quando olhavam para seu rosto, não entendiam exatamente o que estava acontecendo. Um homem bem vestido, bonito, aparentemente de classe social abastada, carregando uma mulher em seus braços. O sangue dava um ar surreal à cena enquanto se esvaía levando os últimos sinais de vida da moça... um tapete ia se formando pelo caminho dos dois.
Em determinado momento alguns carros ficaram paralelos a eles e passaram a acompanhá-los lentamente em silêncio. Esse foi o início de um grande funeral. Ele não deu mais dois passos e todos passaram a segui-los.
Helicópteros surgiram no céu e passaram a usar refletores muito potentes para iluminar o caminho do homem. Todos os carros baixaram seus faróis e as famílias ficaram em silêncio dentro dos carros. Sequer olhavam para o homem carregando a mulher.
Já tinha andado uns quatro quilômetros e nada o abalava, fisicamente era o mesmo de quando começou a caminhada. Suava, isso sim; parecia que suas roupas haviam acabado de sair da água. Em determinado momento, alguns batedores tomaram à sua frente e por onde quer que ele passasse o trânsito era impedido. O que era aquilo? Como uma situação pôde assumir dimensões tão desproporcionais? (...) O que era aquilo?
Quando entrou no centro da cidade já fazia mais de duas horas que havia encontrado a moça. Ao pisar na avenida principal, nenhum carro mais estava trafegando por aquelas imediações e a população permanecia nas janelas dos edifícios acompanhando o funeral.
Àquela altura o sangue já não escorria com tanta fluidez, mas a dor dele era ainda maior, dor que o fazia continuar. Canais de televisão davam boletins ao vivo sobre o acontecido, somente desligavam suas luzes quando o homem passava por seus carros. Talvez uma atitude de respeito, talvez medo de ver de perto a face de um homem ferido no âmago de sua alma.
Alguns grupos tentaram puxar orações para acalentar a dor do homem, mas não conseguiram rezar nem a primeira estrofe. Não seria isso a amenizar-lhe a dor. Não havia o que dizer e só uma coisa a fazer, que era exatamente o que procurava executar naquele momento.
Não parou nem mudou um segundo sequer a posição como a carregava. O rosto dela estava protegido, encostado em seu peito. Sentia o pulsar de um coração dilacerado, um coração que faria qualquer coisa para restabelecer sua vida.
Quando chegou próximo a um edifício – sem ninguém entender, tampouco ter coragem para perguntar –, abaixou-se e abraçou a moça com uma ternura e dor até então nunca imaginável. Naquele momento chorou. Não um choro desesperado e alardeador, um choro mudo. De seu rosto mal se viam as lágrimas descerem... mas sentia a dor.
Os populares talvez tivessem pensado em ajudá-lo, mas permaneceram imóveis, apenas presenciando aquela situação inusitada. Num estádio de futebol, onde estava sendo decidido o título regional, as pessoas lentamente foram saindo do recinto sem dizer nada. Os jogadores, cada um em seu canto, foram sentando ou ajoelhando sobre o gramado... tudo ia acabando pavorosamente.
De repente ele olhou pro céu e, sem entender o que aquilo significava, viu os helicópteros desligarem seus refletores e aterrissarem no meio da avenida. Talvez nem fosse aquilo que ele pretendia, mas, sem dizer nada, os pilotos tomaram tal atitude.
Enquanto permaneceu olhando para o céu, uma chuva começou a cair. Uma garoa fina, mas densa. Aos populares nada incomodou, sequer abriram seus guarda-chuvas.
O homem levantou-se e, não sem antes beijar ternamente a face da moça e dizer-lhe qualquer coisa ao ouvido, passou a caminhar em direção ao edifício que estava à sua frente.
O portão estava aberto e as luzes apagadas, mas as escadas estavam iluminadas, degrau a degrau, por velas. Ele estava convicto do que tinha que fazer e foi subindo lentamente sem pensar em mais nada a não ser em seu destino.
Havia uma multidão em torno do edifício, talvez umas trinta ou quarenta mil pessoas. As pessoas mantinham o olhar voltado para o décimo oitavo andar, onde havia uma janela aberta e um pequeno foco de luz. Todos os apartamentos do prédio estavam apagados. Conforme o homem subia um andar, surgia na janela um morador que estendia um imenso tecido branco do lado de fora.
Era uma subida lenta, mas a cada tecido que surgia na janela, maior era a ansiedade dos populares. No fundo, todos sabiam o destino do homem e o porquê de aquilo tudo ter acontecido. Talvez soubessem até o desfecho dessa história, mas permaneciam calados... apenas, olhando.
Quando o morador do décimo sétimo andar surgiu à janela e estendeu seu tecido branco, algumas pessoas não conseguiram suportar a tensão do que estava por vir e se viraram. Outras, ainda mais fracas, tentaram ir embora daquele lugar... deram cinco ou seis passos, mas desistiram e permaneceram ali.
No momento exato em que o homem pisou no décimo oitavo andar e viu uma porta aberta, a população inteira que acompanhava o caso abaixou a cabeça e fechou os olhos. Pôde-se ouvir o soluçar e o choro contido de uma multidão, um coral de cúmplices na dor.
O homem foi entrando no apartamento e, logo na sala ampla e muito bem decorada, sentiu um calafrio, o mesmo que sentira há poucas horas. Sabia o que tinha acontecido e aquilo não mais o abalou. Deslocou-se alguns passos e viu uma velha senhora encostada à parede, cercada por fotografias, fantasmas e lembranças. Chegou até bem perto da senhora, que permanecia com a cabeça abaixada, colocou a moça no seu colo e beijou as duas.
A senhora tinha em suas mãos uma fotografia onde havia duas crianças e ela, bem mais nova. Um menino e uma menina, somente isso! Segurava com força tal que a única certeza que se poderia ter era de que ela não queria que aquele momento tivesse passado. Impotente perante o tempo, apegou-se a um momento e morreu agarrada a ele.
Aquelas duas mulheres mortas diante daquele homem demarcavam o fim de um ciclo, o fim de esperanças, de promessas, de expectativas... ele sentou-se ao lado delas.
O vizinho do décimo nono andar abriu sua janela e estendeu um tecido preto para fora de sua janela. A população levou um choque e foi se retirando lentamente, cada um com sua dor. Não mais de três minutos depois de os populares começarem a se retirar, o som de um tiro ecoou pelas ruas. Ninguém disse nada e continuou caminhando. Era tarde, e aquele tinha sido só mais um crime para constar nos autos criminais.

terça-feira, dezembro 19, 2006

A VIDA SEM PEPE LEGAL!

Tinha me esquecido de falar de um conto que escrevi há três ou quatro anos... Não é uma presença constante em minha vida esse tipo de estrutura literária para expressar minhas idéias, então, acho interessante que conheçam mais esse conto.
Tão singelo quanto o personagem Pepe Legal é a história do protagonista desse conto...

A VIDA SEM PEPE LEGAL

Àquela hora da madrugada ninguém saberia, ou melhor, ninguém conseguiria ouvir o grito da mulher do açougueiro em pleno ato. Sinceramente, eu não teria condições psicológicas para descrever os detalhes daquela atrocidade. Muitos sabiam que aquilo poderia acontecer uma hora ou outra, mas preferiram calar-se a contrariar o açougueiro.Afinal de contas, caso o homem viesse a ser contrariado, poderia envenenar a carne que seus fregueses, diariamente, compravam e a tragédia tomaria proporções ainda maiores. Na verdade, o silêncio de uma população inteira não pode ser justificado somente por esse argumento, mas diante de tudo que foi levantado nos autos. Essa é a conclusão a que se pode chegar! E o questionamento tornou-se ainda mais enfático quando se levou em consideração que diante de um homicídio doloso – que foi como o açougueiro foi indiciado –, a população inteira da cidade teria que ser indiciada como cúmplice.
Silêncio geral e ninguém mais conseguiu falar sobre esse assunto sem provocar outro incidente ainda maior. Anos atrás, um dos prefeitos, ao assumir seu cargo, disse que eliminaria com suas próprias mãos a pessoa que tentasse fazer qualquer questionamento a respeito da “Desgraça”, que era como os moradores da cidade referiam-se ao acontecido.
Por uma infelicidade ainda maior, ou talvez obra do destino – como alguns preferem chamar –, numa tarde de quinta-feira, ao sair da escola, um garoto chamado Gledson caminhava pela rua das Palmeiras quando tropeçou em um buraco na calçada e caiu no chão, batendo a cabeça num paralelepípedo. Morreu ali mesmo, em frente à casa do açougueiro.
Obviamente qualquer perito teria condições de constatar que o que tinha havido ali nada mais fora que realmente uma fatalidade, mas a história tomou proporções ainda maiores quando o açougueiro saiu à porta para ver o que havia sido aquele grito emitido pelo garoto de apenas 10 anos.
Quando o açougueiro viu que se tratava de uma criança, correu para ajudá-la, mas esse ato nunca poderia ter sido praticado por aquele homem. Quando ele colocou sua mão na cabeça do garoto e viu que o sangue dele escorria como uma nascente d’água, algo fez com que sua expressão se transformasse. E aquele sangue sujando suas mãos!!!... Naquele exato momento as lembranças de sua mulher invadiram seus pensamentos e, com a mudança em sua feição, levantou-se, segurou o garoto pelos pés e o puxou até dentro de sua casa.
Alguns acharam que a maior violência da História havia sido cometida contra a mulher do açougueiro, mas tenho a relatar que os que entraram na casa daquele homem, na noite do acidente com o garoto, por uma razão que é difícil precisar, perderam completamente a noção de civilidade ao presenciarem o que o facínora (desculpem-me por utilizar esse termo!) havia feito com o menino.
O que tenho a relatar é que em nenhum manual de Medicina Legal aquilo tinha sido descrito... O ineditismo da ocorrência trouxe especialistas de todos os cantos do país à pobre cidade.
Ninguém conseguia chorar. Velório não pôde haver e, depois que houve a divulgação do modo como ocorrera sua morte, tampouco a Igreja permitiu que enterrassem com o menino no cemitério cristão. Na ocasião, o prefeito não conseguiu sequer colocar em prática o que havia prometido à população... por uma simples razão: o garoto ser seu filho! Ao vê-lo, e em seguida o açougueiro, pegou uma faca de mesa e passou a perfurar seus próprios olhos e sua face. Na verdade não conseguia conceber como aquilo havia acontecido exatamente com sua cria, e mais, uma criança de apenas 10 anos de idade...
Tentaram segurá-lo para que não se matasse, mas após ferir sua face, correu sem controle pelas ruas da cidade e acabou caindo sobre uma estaca que apoiava uma das árvores do jardim da praça. Morreu...
O açougueiro pediu desculpas pelo ocorrido e voltou para sua casa, pois ninguém tinha coragem de chegar perto dele. Preso, nunca seria! Simplesmente porque não havia onde confiná-lo e muito menos quem tivesse coragem de colocar suas mãos nele.
Ao entrar em sua casa sentou-se em frente à televisão e a ligou para assistir ao desenho do “Pepe Legal”, seu personagem predileto da HB. Por razões que nem a razão consegue explicar, ria... era um riso que limpava sua alma, que trazia de volta toda sua ingenuidade... mas não eliminava sua culpa! Pelo menos diante daquelas pessoas.
Os anos amenizaram o peso da história e a população, num ato de repúdio e auto-proteção, desviou o curso de um rio para que fosse estabelecida uma fronteira entre a sanidade e a loucura. A casa do açougueiro ficou isolada do restante da cidade, assim, nunca mais haveria uma ligação entre os dois mundos! No entanto, quanto mais tentavam esconder a história de seus filhos, mais o açougueiro passara a ser cultuado como um herói e todos os meninos, ao completarem 10 anos, como prova de coragem e virilidade, eram desafiados a atravessar o rio e entrar na casa do açougueiro trazendo um pedaço de carne lá de dentro.
Num ato de pura insanidade infantil, grupos se formavam em frente à casa do açougueiro durante a noite. Em seguida, tiravam "par ou ímpar" para saber quem seria o primeiro a cumprir o "cerimonial do fim da infância". Não havia medo em suas faces, era algo que somente nessa idade pode ser encontrado e perdoado: ansiedade, curiosidade e inconseqüência.
Entravam empunhando uma faca e saiam com as mãos sujas de sangue – somente eram ouvidos os gritos dos gatos sendo degolados – e um pedaço de carne em uma delas. Seus rostos já não continham aquele sorriso que outrora tiveram, tampouco sabiam o que fariam a seguir... Ao pisarem fora da casa, olhavam para seus companheiros, passavam a faca para o próximo e continuavam a caminhar sem rumo pela noite.
Dizem que durante essa noite a alma do açougueiro caminha com os meninos e tenta confortá-los do peso da provação. É uma noite cheia de perturbações e questionamentos que persegui-los-ão para o resto da vida. O sangue que fica nas mãos desses meninos as mantém geladas durante o frio inverno das montanhas, mas nem assim consegue conter a ebulição de sensações que toma conta de sua mente e alma.
Dez anos passa a ser uma pena para os meninos. Seus pais sabem que estão predestinados a passarem por isso, mas não conseguem abandonar a cidade nem os proíbem de participar da cerimônia. Ninguém fala nada e a vida continua.
A constatação mais triste que se pode chegar é de que muitos desses meninos deixam a cidade quando estão próximos de completar 18 anos e seu paradeiro nunca mais é sabido por lá. Os pais choram escondidos e as mães procuram orar diariamente para que nenhuma maldição os acompanhe.
"Coisas" acontecem todos os dias e ninguém sabe exatamente como explicar, às vezes sabem, mas preferem se calar. Esses meninos, fadados a peregrinarem pelo mundo à procura de suas almas roubadas pelo açougueiro, passaram a trilhar caminhos totalmente fora do habitual, no entanto, perfeitamente compatíveis com sua forma de agir. Sempre, após completarem dezoito anos, passam a cometer crimes em série. Crimes tão atrozes, ou mais, que o cometido pelo açougueiro contra sua mulher e o filho do delegado. Tornam-se "serial killers" e passam a viver pelo mundo à fora.
Uma cidade exportadora de "serial killers" que vê suas crianças partirem e não consegue fazer nada para interromper essa sina. Dor, amargura e nada a fazer...

- Quando os olhos não brilham e o sangue que está em sua mão mantém seu corpo gelado, é hora de matar novamente. Em cada morte é possível encontrar um pouco de alegria para quando o desenho do "Pepe Legal" acabar. – foi o que respondeu um desses "meninos" ao ser capturado e toda história começar a vir à tona.

domingo, dezembro 10, 2006

CONEXÃO DOLLS AND DOLLS

Em 1999 ainda escrevi mais duas peças: "Boys and Girls" e "Violência", que seriam encenadas em 2002, e sobre as quais falarei mais pra frente, no entanto, a partir de 2000, além de dar maior ênfase à minha carreira acadêmica, passei a desenvolver projetos alternativos.
Um dos projetos mais interessantes que desenvolvi foi "Conexão Dolls and Dolls". Novamente, numa parceria com Rodrigo Malagoli e o designer Moacir, seu sócio na época.
Em uma de nossas conversar, aventamos a possibilidade de fazer uma micro novela para a internet cujos capítulo durassem apenas 3 minutos cada. O Moacir ficou bastante empolgado com a idéia e começou a desenvolver a parte técnica do projeto.
Eu, como sempre, fui envolvido pelo projeto e sugeri que fosse uma história de ficção, porém, uma comédia rasgada com a utilização de muito efeito especial e animação de bonecos.
O projeto foi sendo desenvolvido até chegarmos a um formato de 15 capítulos, que seriam divulgados no próprio site da agência do Rodrigo e depois comercializado com outros...
Convidei uma ótima atriz, Ananda Costa, então com sete anos, para fazer a personagem principal da novela. Além de seu talento, precisava estar sem os dentes da frente... Bom, tudo foi muito bem até esbarrarmos na última etapa da produção: um softer exclusivo para a elaboração dos efeitos sugeridos pelo roteiro... Não deu... mas esse projeto fez com que minha vontade de criar não sucumbisse diante do universo da realidade que estava me dedicando.
"Conexão Dolls and Dolls" partida da premissa que uma pessoa havia roubado todas as bonecas Barbie do mundo e, como o chefe de uma Agência Internacional de Detetives precisava de uma boneca para dar para sua filha de presente de Natal, ele colocara todo seu staff atrás da pessoa que roubara as bonecas... Uma grande piada, salpicada de efeitos com raios nos olhos, sabres de luz e muitos campos de força...
Um sonho que ainda continua no papel... em 15 capítulos de 3 minutos!

1- ESCRITÓRIO – INT.

CHEFE
Quem descobriu? Não é possível. Mandem todos para lá imediatamente! (PAUSA) Eu disse todos! (DESLIGA O TELEFONE E O SEGURA NA MÃO) Agora é correr contra o tempo! (VAI BAIXANDO A MÃO PARA COLOCAR O FONE NO GANCHO)


2 – VIAGEM PELOS FIOS DO TELEFONE – ANIMAÇÃO

Imagem do telefone e em seguida uma espécie de raio saindo rapidamente pelo fio... Imagem de um edifício e uma torre acima dele... O raio divide-se numa torre de energia e é espalhado para todo o mundo... Visão do Globo terrestre e vários fios de energia chegando pelos países...


3 – RESTAURANTE NA FRANÇA – EXT – DIA

AGENTE 1
(SEGURANDO O CELULAR) Brasil de novo!


4 – DESERTO DA ARÁBIA – EXT – DIA

AGENTE 2
(SEGURANDO O CELULAR) Não é possível!


5 – CASA JAPONESA – INT – NOITE

AGENTE 3
(SEGURANDO O CELULAR) Dessa vez não!


6 – WALL STREET (NOVA YORK) – EXT – DIA

AGENTE 4
(SEGURANDO O CELULAR) Não vai acontecer de novo!


7 – ANIMAÇÃO DOS AGENTES EM DIREÇÃO AO BRASIL

Imagem do Globo Terrestre e em seguida aviões e navios saindo de vários países em direção ao Brasil...


8 – VIA ANHANGÜERA – EXT – DIA

Um automóvel vai deslocando-se pela rodovia; visão interna onde pode-se ver uma placa de sinalização mostrando a entrada de Jundiaí.

MALFEITOR
(RINDO) Rá! Rá! Rá! (SEM VER O CORPO OU ROSTO, SÓ A ESTRADA)

FINAL DO PRIMEIRO CAPÍTULO

domingo, dezembro 03, 2006

BE ALIVE

É interessante como as coisas nem sempre acontecem como esperamos, mas repercutem de tal forma que o resultado acaba sendo melhor do que o esperado. Parece chavão dizer isso, mas vocês vão entender o porquê.
Enquanto "TEENS" se apresentava e era um sucesso, resolvi, novamente, experimentar novas linguagens dramaturgicas para ver se conseguia desenvolvê-las. Eu havia lido muita coisa sobre o filme "A Bruxa de Blair" e como nasceu de um site. Como nada nessa vida é puramente ineditismo, resolvi tentar fazer algo parecido. Mas o grande problema era que eu não tinha know-how para desenvolver o projeto. Então, pela primeira vez, propuz ao meu amigo, e designer gráfico, Rodrigo Malagoli, que me auxiliasse na criação.
Bom, tenho a dizer que foi muito melhor do que eu esperava. Nossa proposta era criar a história de um jornalista que, em contato com um crime numa cidade do Canadá, passaria a viajar o mundo à procura de respostas. Mas a abordagem não seria como numa história de ficção (viu como não era inédito!), eu usaria os pressupostos de "A Bruxa de Blair".
O projeto foi montado e as narrativas do jornalista seria em forma de um diário... abrindo a possibilidade para que as pessoas o auxiliassem... o site seria bilíngüe e tudo mais.
Escrevi grande parte do diário do jornalista para que quando o site começasse a ser divulgado, desse a impressão de que seria um recurso dele para resolver o caso do assassinato... O Rodrigo desenvolveu a programação visual do site de maneira primorosa... mas infelizmente não conseguimos patrocínio para colocá-lo no ar!!!
Fiquei com os diários do personagem e sabia que teria de fazer alguma coisa com ele... mas isso só aconteceu algum tempo depois... Comentarei sobre isso depois... no entanto, a parceria com o Rodrigo voltaria a acontecer em outras circunstâncias... Também, não dá para abandonar alguém com a criatividade e técnica que ele tem... uma pessoa que apenas com poucas palavras consegue transformar em imagens o que só sei escrever, às vezes nem isso...

sábado, dezembro 02, 2006

TEENS - PRIMEIRA MONTAGEM

Depois de encerradas as apresentações de "Delírios Blues", apesar de todos os problemas que tivemos na estréia, uma coisa era bem clara pra mim: o público adolescente havia gostado do texto e da estrutura da montagem.
Por essa perspectiva, fui convidado por um grupo
teatral de Jundiaí para desenvolver um texto que pudesse abordar quetões que fossem exclusivamente do universo adolescente. E pediram para que o texto desse ênfase ao universo feminino, haja vista o grupo ser formado praticamente por mulheres.
Essa foi a parte mais difícil ao desenvolver o texto. Talvez, se elas quisessem que eu abordasse a adolescência pelo ponto de vista dos maculino fosse mais fácil, no entanto, aceitei a proposta como um desafio. Pesquisei bastante com educadores, médicos, psicólogos e adolescentes, virei amigo de muitos!
Também contei com o apoio das atrizes que iriam fazer o espetáculo. Ah, esqueci de dizer que lica "capricho", "querida", "toda teen" e mais uma gama enorme desse tipo de literatura.
O espetáculo estreou em Jundiaí e fez uma temporada de extremo sucesso, praticamente todo o público estudantil da cidade compareceu as sessões... Não sei se exagero, mas o que posso dizer é que o público gostou muito da linguagem do espetáculo porque aboradava temas que lhes eram interessantes, mas sem a preocupação de dar lições de moral!
Lembro de ter assistido algumas sessões observando a reação do público... poucas vezes percebi o público adolescente tão compenetrado numa peça teatral. E o que chamou atenção foi que nos primeiros cinco minutos ainda era possível perceber algumas pessoas "tirando sarro dos outros" ou mesmo "fazendo piadas com as cenas", mas depois eles eram inseridos de tal forma na trama que passavam a ser cúmplices!
Gostei mesmo da montagem, mas tenho que citar duas pessoas que roubaram as cenas: uma delas é Fernanda Regia, que fazia uma das meninas que fazia parte do trio de personagens principais (ela era Janaína) e a outra foi a atriz Cristina Guimarães. A ela coube fazer todas as demais personagens feminidas da trama (mães, professoras, amigas de academia... tudo), ela conseguiu desenvolver tão bem suas personagens que atribuo a ela grande parte do sucesso do espetáculo!

Uma das cenas que expressa a tranformação das personagens é essa que apresento agora, quando escrevem em seus diários:

CENA 7 – O DIÁRIO

CONTINUA O BLACKOUT, SOM DE BATIDAS NA PORTA...

MÃE - (off) Você vai ficar trancada aí o dia inteiro?!

AS TRÊS MENINAS RESPONDERÃO AO MESMO TEMPO, AINDA ESTANDO NO ESCURO...

JANAÍNA - Já vai mãe!
FLÁVIA - Já vai mãe!
LAURINHA - Já vai mãe!

ACENDE A LUZ SOBRE FLÁVIA...

FLÁVIA - (sentada numa poltrona com o diário na mão) (escrevendo) “Parece que o colegial é a mesma coisa, mas com pessoas mais velhas. Na verdade poucas pessoas novas e os mesmos chatos de sempre. Já estamos quase nas férias de julho e até agora continuo virgem. Não que isso seja uma preocupação pra mim, mas tenho a impressão que serei a última virgem dessa turma. Acho até que a Laurinha vai conseguir transar antes de mim...”

APAGA A LUZ DE FLÁVIA E ACENDE EM LAURINHA, QUE ESTÁ SENTADA EM SUA ESCRIVANINHA ESCREVENDO NO DIÁRIO...

LAURINHA - “Não sei o que está acontecendo comigo, não sinto vontade de ficar com nenhum desses meninos, não sei o que é isso e às vezes me preocupo. Ontem fiquei a tarde inteira conversando com o Ricardinho na biblioteca da escola. Como ele é inteligente, dá a impressão que sabe tudo sobre o mundo. Numa aula da semana passada o professor começou a perguntar as coisas pra ele, só pra derrubá-lo e ele respondia tudo, o professor que acabou dançando...”

APAGA A LUZ DE LAURINHA E ACENDE EM JANAÍNA, QUE ESTÁ DEITADA EM SUA CAMA ESCREVENDO NO DIÁRIO...

JANAÍNA - “Hoje tem mais um daqueles chatíssimos jantares aqui em casa. (irônica) A maravilhosa mamãe vai apresentar seu novo namorado. O difícil é decorar os nomes deles! Nunca vi uma pessoa trocar tanto de namorado como ela, (ácida) seu hobby. (irritada) Pô, e ela é uma senhora... bem que meu pai disse. Mas tudo bem, não me importaria com os namorados da minha mãe se deixassem de se importar comigo. Tô cansada de receber bonequinhas deles (dando uma irônica importância) no jantar de apresentação à filha. Mas o penúltimo, um velho de mais de cinqüenta anos, foi o que eu fiquei com mais raiva; não pela idade dele, já tô acostumada com a velharada, mas porque me trouxe um “bebê gatinhando”. Tenha santa paciência!”

APAGA A LUZ DE JANAÍNA E ACENDE EM LAURINHA...

LAURINHA - “Tá sendo legal ficar esses dias com minha mãe, fazia tempo que a gente não se via. (sutil ironia) Trabalho! O legal é que parece que por mais tempo que a gente possa passar distantes, sempre que nos encontrarmos seremos grandes amigas. Não que eu não goste da mulher do meu pai, (sorri) ela também é muito legal, me dá a maior força. É como se eu tivesse duas mães diferentes mas que isso fosse a coisa mais natural do mundo. Meu pai que teve sorte em ter essas duas mulheres na vida!”

ACENDE A LUZ DE FLÁVIA E A DE LAURINHA PERMANECE ACESA...

FLÁVIA - “Ficar com o Renan tá sendo legal, não posso dizer que ele seja o cara mais lindo do mundo, mas por alguma razão que eu não sei explicar, já faz mais de três semanas que estamos juntos. Semana passada ele me levou pra conhecer a família dele; são muito ricos mas legais demais! Minha mãe ainda não sabe que a gente tá namorando, mas ela sabe quem são os alunos que colam na matéria dela!”

ACENDE A LUZ DE LAURINHA E A DAS DUAS PERMANECEM ACESAS...

JANAÍNA - “Não acho que seja tão ruim fumar como dizem por aí. Minha mãe fuma há tanto tempo e continua a mesma coisa. Mas por enquanto é melhor que ela não saiba de nada, não vai entender. Na festa da Ana Claudia aconteceu uma coisa pela primeira vez, um carinha me viu fumando e me ofereceu um baseado, (meio assustada com o que está acontecendo consigo) experimentei e só.”
LAURINHA - “Li ontem um romance que narra uma história de amor impossível...”
JANAÍNA - “Acho que vou levar pra Laurinha e pra Flá um cigarro pra gen...”
FLÁVIA - “Acho que meu corpo tá ficando meio estranho, tem um seio maior que o ou...”

SOM DE BATIDAS NA PORTA...

MÃE - (off) Será que você pode apagar a luz pra dormir!?

AS TRÊS RESPONDEM AO MESMO TEMPO...

LAURINHA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
FLÁVIA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
JANAÍNA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
AS TRÊS FECHAM OS DIÁRIOS AO MESMO TEMPO E AS LUZES SE APAGAM...


Alguns anos depois eu me reencontraria com essas persoagens em outra montagem...

QUINZE MINUTOS

Às vezes a vida da gente está tão atribulada que acaba refletindo no que fazemos... em 1998, enquanto trabalhava no espetáculo "Delírios Blues" resolvi que teria de escrever algo que fugisse completamente a tudo que já havia feito até então.
Pensando nas possibilidades que uma pessoa possa ter na vida, cheguei à "Quinze Minutos". A história é simples: um homem muito cansado, carregando uma sela nas costas, encontra outro que lhe oferece quinze minutos para expressar seus sentimentos. Se ele conseguir comover os ouvintes, conseguirá ser absolvido das angústias do passado, caso contrário...
O insólito dessa história e o clima de um julgamento que toma conta da cena. O público, muito mais que mero ouvinte da trama, acaba sendo o responsável pelo julgamento dos quinze minutos.
Nunca gostei muito de peças com interatividade, mas enquanto escrevia essa história me pareceu que os personagens não conseguiriam resolver os problemas propostos sem que houvesse uma "ampliação" das perspectivas. Parece estranho o que escrevi, mas queria mesmo é que o público assistisse essa peça com um olhar mais envolvido que simplesmente daquele que vê um fato e não pode resolver o problema.
Por duas oportunidades foi feita a leitura dessa peça... gostei do resultado, mas não foi adiante. Talvez um dia alguém venha a montá-lo, mas acredito que sempre será um desafio novo, até porque, o público será um personagem importante e, novo a cada dia!
Acho que o que gosto, também, nesse texto é o humor ácido dos personagens - muitas vezes até dolorido -, mesclado com uma tentativa filosófica de explicar a angústica!!! É claro que não explico muita coisa, mas acaba tendo um sentido dúbio.
Uma das partes mais interessantes do texto é o monólogo que o personagem Lombard faz antes de Belchior ter os seus quinze minutos:


LOMBARD - (muito emocionado) Às margens dos rios Tigre e Eufrates, alguém surgiu com uma grande novidade e os habitantes daquele vilarejo acharam que nada mais poderia ser novo. Esse alguém, que a História fez questão de esquecer o nome, não disse muita coisa, mas o tempo também esqueceu... Muitos séculos depois, às margens do rio Nilo, esse mesmo homem reapareceu e tentou explicar o porquê dele estar ali, o porquê dele dizer aquelas poucas palavras. Ninguém quis ouvir e o homem tentou só mais uma vez. Às margens do rio Tâmisa, lá estava ele tentando explicar... (se corrige) não, explicar não; levar suas palavras, às poucas que poderiam modificar a existência da raça humana na Terra... algumas pessoas se aproximaram dele, parecia que o ouviam com a máxima atenção. Ele ficou horas falando... na verdade não eram tão poucas assim as palavras... ele tinha encontrado as pessoas que mudariam o mundo, elas já sabiam o segredo da existência e ele poderia dormir tranqüilo sem precisar vagar pelos tempos. Ao anoitecer, uma senhora chegou e foi conduzindo os ouvintes em silêncio, eles estavam tão quietos que o homem tinha certeza de que os corações deles estavam mudados, tinham sido tocados. O homem chegou para a senhora que estava conduzindo os ouvintes e disse: “A senhora está conduzindo pessoas novas, eles conhecem o segredo da existência e vão passar a divulgá-lo pelos tempos. Me ouviram a tarde inteira, mas a sabedoria estava nos últimos quinze minutos” A mulher sorriu caridosamente, olhou para o homem e disse: “Eles são surdos meu senhor, creio que não entenderam nada!” e se foi. O homem emudeceu, olhou ao redor e disse: “Aqueles que conseguirem se ver durante quinze minutos, tocarem e serem tocados... descobrirão o que eu disse a essa platéia”.
Disso não se deve tirar nenhuma lição mas, para entrar nos quinze minutos, são criadas portas que, muito mais que abrirem e fecharem, têm que ligar... Eu vou abri-las e, se essas pessoas que estiverem nelas não forem tocadas ao final dos quinze minutos, serei obrigado a fechá-las para o resto da vida. E, dentro dos quinze minutos em que a pessoa abriu seu coração, tudo que foi dito vai se tornar um fardo quase impossível de ser carregado. (pausa)
Eu não queria assim... os quinze minutos são assim... (respira fundo) Que se abram as portas.

Que ninguém, precise de quinze minutos em sua vida, mas se precisar...