Depois de encerradas as apresentações de "Delírios Blues", apesar de todos os problemas que tivemos na estréia, uma coisa era bem clara pra mim: o público adolescente havia gostado do texto e da estrutura da montagem.
Por essa perspectiva, fui convidado por um grupo
teatral de Jundiaí para desenvolver um texto que pudesse abordar quetões que fossem exclusivamente do universo adolescente. E pediram para que o texto desse ênfase ao universo feminino, haja vista o grupo ser formado praticamente por mulheres.
Essa foi a parte mais difícil ao desenvolver o texto. Talvez, se elas quisessem que eu abordasse a adolescência pelo ponto de vista dos maculino fosse mais fácil, no entanto, aceitei a proposta como um desafio. Pesquisei bastante com educadores, médicos, psicólogos e adolescentes, virei amigo de muitos!
Também contei com o apoio das atrizes que iriam fazer o espetáculo. Ah, esqueci de dizer que lica "capricho", "querida", "toda teen" e mais uma gama enorme desse tipo de literatura.
O espetáculo estreou em Jundiaí e fez uma temporada de extremo sucesso, praticamente todo o público estudantil da cidade compareceu as sessões... Não sei se exagero, mas o que posso dizer é que o público gostou muito da linguagem do espetáculo porque aboradava temas que lhes eram interessantes, mas sem a preocupação de dar lições de moral!
Lembro de ter assistido algumas sessões observando a reação do público... poucas vezes percebi o público adolescente tão compenetrado numa peça teatral. E o que chamou atenção foi que nos primeiros cinco minutos ainda era possível perceber algumas pessoas "tirando sarro dos outros" ou mesmo "fazendo piadas com as cenas", mas depois eles eram inseridos de tal forma na trama que passavam a ser cúmplices!
Gostei mesmo da montagem, mas tenho que citar duas pessoas que roubaram as cenas: uma delas é Fernanda Regia, que fazia uma das meninas que fazia parte do trio de personagens principais (ela era Janaína) e a outra foi a atriz Cristina Guimarães. A ela coube fazer todas as demais personagens feminidas da trama (mães, professoras, amigas de academia... tudo), ela conseguiu desenvolver tão bem suas personagens que atribuo a ela grande parte do sucesso do espetáculo!
Uma das cenas que expressa a tranformação das personagens é essa que apresento agora, quando escrevem em seus diários:
CENA 7 – O DIÁRIO
CONTINUA O BLACKOUT, SOM DE BATIDAS NA PORTA...
MÃE - (off) Você vai ficar trancada aí o dia inteiro?!
AS TRÊS MENINAS RESPONDERÃO AO MESMO TEMPO, AINDA ESTANDO NO ESCURO...
JANAÍNA - Já vai mãe!
FLÁVIA - Já vai mãe!
LAURINHA - Já vai mãe!
ACENDE A LUZ SOBRE FLÁVIA...
FLÁVIA - (sentada numa poltrona com o diário na mão) (escrevendo) “Parece que o colegial é a mesma coisa, mas com pessoas mais velhas. Na verdade poucas pessoas novas e os mesmos chatos de sempre. Já estamos quase nas férias de julho e até agora continuo virgem. Não que isso seja uma preocupação pra mim, mas tenho a impressão que serei a última virgem dessa turma. Acho até que a Laurinha vai conseguir transar antes de mim...”
APAGA A LUZ DE FLÁVIA E ACENDE EM LAURINHA, QUE ESTÁ SENTADA EM SUA ESCRIVANINHA ESCREVENDO NO DIÁRIO...
LAURINHA - “Não sei o que está acontecendo comigo, não sinto vontade de ficar com nenhum desses meninos, não sei o que é isso e às vezes me preocupo. Ontem fiquei a tarde inteira conversando com o Ricardinho na biblioteca da escola. Como ele é inteligente, dá a impressão que sabe tudo sobre o mundo. Numa aula da semana passada o professor começou a perguntar as coisas pra ele, só pra derrubá-lo e ele respondia tudo, o professor que acabou dançando...”
APAGA A LUZ DE LAURINHA E ACENDE EM JANAÍNA, QUE ESTÁ DEITADA EM SUA CAMA ESCREVENDO NO DIÁRIO...
JANAÍNA - “Hoje tem mais um daqueles chatíssimos jantares aqui em casa. (irônica) A maravilhosa mamãe vai apresentar seu novo namorado. O difícil é decorar os nomes deles! Nunca vi uma pessoa trocar tanto de namorado como ela, (ácida) seu hobby. (irritada) Pô, e ela é uma senhora... bem que meu pai disse. Mas tudo bem, não me importaria com os namorados da minha mãe se deixassem de se importar comigo. Tô cansada de receber bonequinhas deles (dando uma irônica importância) no jantar de apresentação à filha. Mas o penúltimo, um velho de mais de cinqüenta anos, foi o que eu fiquei com mais raiva; não pela idade dele, já tô acostumada com a velharada, mas porque me trouxe um “bebê gatinhando”. Tenha santa paciência!”
APAGA A LUZ DE JANAÍNA E ACENDE EM LAURINHA...
LAURINHA - “Tá sendo legal ficar esses dias com minha mãe, fazia tempo que a gente não se via. (sutil ironia) Trabalho! O legal é que parece que por mais tempo que a gente possa passar distantes, sempre que nos encontrarmos seremos grandes amigas. Não que eu não goste da mulher do meu pai, (sorri) ela também é muito legal, me dá a maior força. É como se eu tivesse duas mães diferentes mas que isso fosse a coisa mais natural do mundo. Meu pai que teve sorte em ter essas duas mulheres na vida!”
ACENDE A LUZ DE FLÁVIA E A DE LAURINHA PERMANECE ACESA...
FLÁVIA - “Ficar com o Renan tá sendo legal, não posso dizer que ele seja o cara mais lindo do mundo, mas por alguma razão que eu não sei explicar, já faz mais de três semanas que estamos juntos. Semana passada ele me levou pra conhecer a família dele; são muito ricos mas legais demais! Minha mãe ainda não sabe que a gente tá namorando, mas ela sabe quem são os alunos que colam na matéria dela!”
ACENDE A LUZ DE LAURINHA E A DAS DUAS PERMANECEM ACESAS...
JANAÍNA - “Não acho que seja tão ruim fumar como dizem por aí. Minha mãe fuma há tanto tempo e continua a mesma coisa. Mas por enquanto é melhor que ela não saiba de nada, não vai entender. Na festa da Ana Claudia aconteceu uma coisa pela primeira vez, um carinha me viu fumando e me ofereceu um baseado, (meio assustada com o que está acontecendo consigo) experimentei e só.”
LAURINHA - “Li ontem um romance que narra uma história de amor impossível...”
JANAÍNA - “Acho que vou levar pra Laurinha e pra Flá um cigarro pra gen...”
FLÁVIA - “Acho que meu corpo tá ficando meio estranho, tem um seio maior que o ou...”
SOM DE BATIDAS NA PORTA...
MÃE - (off) Será que você pode apagar a luz pra dormir!?
AS TRÊS RESPONDEM AO MESMO TEMPO...
LAURINHA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
FLÁVIA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
JANAÍNA - Tá bom, mãe. (apaga a luz)
AS TRÊS FECHAM OS DIÁRIOS AO MESMO TEMPO E AS LUZES SE APAGAM...
Alguns anos depois eu me reencontraria com essas persoagens em outra montagem...
Nenhum comentário:
Postar um comentário