terça-feira, outubro 31, 2006

ADEUS, MENINOS

Depois do fracasso de “Quincas Berro D’água” e de eu ter deixado a companhia de teatro que trabalhava, tentei imaginar qual caminho deveria seguir adiante. A vantagem de trabalhar com uma companhia teatral estável, pelo menos para mim, deu-se no sentido de servir como incentivo para que eu produzisse muito... muito mesmo! Mas não havia como permanecer num grupo com objetivos tão distintos... precisaria trilhar minha carreira separadamente!
Assim, a partir de 1995, quis experimentar outras formas de dramaturgia. E, nesse sentido, o primeiro experimento foi uma das peças que mais gosto até hoje: “Adeus, meninos”.
Sempre gostei de histórias com temática política e, nesse universo, o período de repressão que o Brasil passou nas décadas de 1960 e 1970, foi objeto de muita leitura. Acho que o primeiro livro que li sobre o tema foi “O que isso companheiro?”, de Fernando Gabeira. Fiquei fascinado pelo engajamento político da juventude e sua coragem de lutar por um ideal... acabei lendo vários livros sobre o tema.
O processo de criação de “Adeus, meninos” foi completamente distinto de tudo que eu fizera até então. Criei os personagens e comecei a escrever cenas que os apresentasse... mas a diferença estava no fato de que eu trabalhava com quatro momentos de suas vidas: aos dez anos, aos quinze, aos vinte e aos sessenta... As cenas foram escritas separadamente, mas quando fui montar a ordem do espetáculo, quebrei completamente a ordem cronológica...
A peça inicia-se com Thiago e Pablo, com dez anos, falando sobre uma determinada menina... como nas demais peças que escrevi, a temática da amizade estava muito presente. Na seqüência vemos Thiago com vinte anos... e assim por diante... Cenas curtas, linguagem direta e uma sensação de que a cada cena estaria sendo colocada mais uma peça do quebra-cabeça que formava a trama.
Nas primeiras leituras do texto, a sensação que gerou aos atores foi a de haver uma tensão crescente na trama mas que não dava pra saber onde iria chegar... Entendi que havia conseguido alcançar meu objetivo.Essa peça nunca foi encenada... mas de tanto eu gostar da trama, adaptei-a para o cinema e escrevi o roteiro “Os meninos da casa da árvore”... Espero que a história de amizade entre Thiago, Pablo e Mariana torne-se conhecida um dia, até porque, é um texto que freqüentemente releio para saber que é sobre isso que quero escrever... amizade, em suas múltiplas formas!

Essa é uma das cenas da peça que mostra o estado de desolação que Mariana, mais velha, vive depois de ter acontecido algo muito grave em sua vida...

CENA III - O ELEVADOR

MARIANA, UMA VELHA SENHORA, ENTRA VAGAROZAMENTE NO HALL DE SEU PRÉDIO E VAI ATÉ O ELEVADOR. CARREGA CONSIGO UMA SACOLA DE SUPER MERCADO... ELA CHEGA ATÉ O ELEVADOR E APERTA O BOTÃO PARA ELE “DESCER”... FICA AGUARDANDO QUANDO ENTRA UMA MENINA DE APROXIMADAMENTE QUINZE ANOS E APERTA O BOTÃO DO ELEVADOR...

MENINA - Tô super atrasada, só vai dar tempo de almoçar e voltar pra escola. Hoje eu tive três provas.
MARIANA - (falando somente por educação) Deve ser bem difícil.
MENINA - É nada, se eu não tivesse preparado a “cola”, aí seria difícil, mas eu tava preparado. (olha para o elevador) E esse elevador que não chega!
MARIANA - Ele já deve estar descendo.
MENINA - A senhora tem tempo pra esperar, eu não posso. Minha vida é uma correria.
MARIANA - (pensativa) Eu posso esperar...
MENINA - A senhora não se cansa de ficar sozinha?
MARIANA - A gente se acostuma.
MENINA - (furiosa) Não dá pra se acostumar é com esse elevador.

ENTRA NO PRÉDIO UM HOMEM DE APROXIMADAMENTE 28 ANOS, VESTINDO UM ELEGANTE TERNO AZUL MARINHO E CARREGANDO UMA PASTA...


HOMEM - (apertando o botão do elevador) Boa tarde.
MENINA - (insinuante) Oi!
MARIANA - (sóbria) Boa tarde.
HOMEM - Hoje o dia tá uma correria, parece que tudo resolveu acontecer de uma vez.
MENINA - É o que eu tava falando pra Dona Mariana.
HOMEM - (para Mariana) A senhora viu se minha mulher já chegou?
MARIANA - Não.
HOMEM - É que a senhora quase não sai.
MARIANA - Hoje eu não vi a sua mulher.
HOMEM - Ela deve ter ficado presa no trânsito, (pensativo) vou ter que fazer o almoço. Tomara que dê tempo!
MENINA - (insinuante) Minha mãe já deve ter feito o almoço, se você quiser almoçar em casa, não vai ter nenhum problema.
HOMEM - Obrigado, eu não posso. Fica pra uma outra vez. (aperta o botão do elevador novamente) Tá demorando, né?
MENINA - Vou acabar indo de escada.
MARIANA - Ele já deve estar descendo.

ENTRAM DOIS MENINOS DE UNS DEZ ANOS, VESTIDOS DE UNIFORMES ESCOLARES...

MENINO 1 - (apertando o botão do elevador) Vai começar o jogo.
MENINO 2 - Se essa droga demorar, a gente vai acabar perdendo o começo.
MENINA - Aqui não é lugar de fazer barulho.
MENINO 2 - Você é velha por acaso?!
HOMEM - (reprimindo) Quietos.
MENINO 2 - (olhando para Mariana) Eu não vi a senhora aí.
MARIANA - Não tem problema.
MENINO 1 - É que o jogo vai começar, é a final.
MENINO 2 - Eu apostei que ia ser dois a zero.
MARIANA - Tomara que você ganhe.
MENINO 1 - Tomara nada, vai ser é três a zero, mas pro meu time.
MENINO 2 - Até parece que aquele timinho vai conseguir ganhar do meu.
MENINA - Alguém deve tá segurando o elevador lá em cima.
HOMEM - (batendo na porta) Solta o elevador!

ENTRA UMA MULHER COM UM CARRINHO DE FEIRA...

MULHER 1 - (passando por Mariana) A senhora me dá licença que eu tô acabada, (aperta o botão do elevador) fazer feira é de arrasar.
MARIANA - Claro.
MULHER 1 - (para a menina) Fala pra sua mãe passar lá em casa.
MENINA - Minha mãe não tem tempo pra ficar vadiando.
MULHER 1 - Olha lá como fala comigo, sua moleca!
MARIANA - (apaziguando) Esse elevador está demorando.
MENINO 1 - Você vai lá em casa ou eu vou na sua?
MENINO 2 - Teu irmão vai tá lá?
MENINO 1 - Claro, ele não larga da televisão.
MENINO 2 - Então é melhor a gente ir lá pra casa porque eu não vou com a cara dele.
HOMEM - Esse elevador tinha que encrencar logo agora!

ENTRA A MULHER DO HOMEM QUE HAVIA CHEGADO POUCO ANTES, ESTÁ MUITO APRESSADA E ENCONTRA AQUELE AGLOMERADO EM FRENTE AO ELEVADOR; ELA ESTÁ MUITO BEM VESTIDA...USANDO SALTO ALTO QUE APERTA SEU PÉ...

MULHER 2 - (para o Homem, seu marido) O que você tá fazendo aqui?
HOMEM - Esse maldito elevador.
MULHER 2 - E o almoço?
HOMEM - É isso que eu tô pensando.
MULHER 1 - Alguém tem que dar um jeito nisso.
MENINO 1 - (para Menino 2) Bate na porta.
MENINO 2 - E eles não vão falar pro síndico?!
TODOS - (exceto Mariana) Bate logo!

MENINO 2 CHUTA A PORTA DO ELEVADOR DESESPERADAMENTE ENQUANTO O MENINO 1 GRITA E VIBRA... APÓS ALGUNS INSTANTES E NENHUM RESULTADO, ELE PÁRA DE CHUTAR E TODOS VOLTAM A ESPERAR CHATEADOS...

MULHER 2 - Hoje não é o meu dia. (tira os sapatos)
MARIANA - Será que aconteceu algum acidente?
MULHER 1 - (esbravejando) Algum moleque vagabundo que deve ter prendido o elevador pra fazer graça.
MENINA - (jogando os livros no chão) Eu não acredito!!!

ELEVADOR CHEGA DE REPENTE E TODOS PEGAM SUAS COISAS RAPIDAMENTE E ENTRAM NELE, MARIANA FICA SEGURANDO A PORTA E POR FIM, ACABA NÃO ENTRANDO DEVIDO ELE ESTAR LOTADO...

HOMEM - Solta a porta, Dona Mariana.
MULHER 1 - A senhora sobe depois; não tem nada pra fazer mesmo.
MARIANA - (soltando a porta)(caindo em si) É...não tenho nada mesmo pra fazer.

A PORTA SE FECHA E O ELEVADOR SOBE...MARIANA FICA ALGUNS INSTANTES OLHANDO PARA ELE...

MARIANA - (lamentando) Já faz tempo que pouco importa subir ou descer. (pára alguns instantes e depois aperta novamente o botão do elevador)

ENTRA UM RAPAZ COM UMA ENCOMENDA, VAI ATÉ O ELEVADOR E APERTA O BOTÃO...

RAPAZ - Hoje o dia tá uma correria, depois dessa encomenda preciso entregar mais quatro.
MARIANA - (pressentindo o que iria acontecer novamente) É... (se vira e vai saindo)

RAPAZ APERTA NOVAMENTE O BOTÃO DO ELEVADOR E AS LUZES VÃO SE APAGANDO...

A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D'ÁGUA

O segundo semestre de 1994 foi marcado pelo final das produções que estavam em andamento na Cia Teatral que eu participava e início de um projeto que visava ampliar sua visibilidade.
Havíamos chegado à conclusão de que deveríamos montar uma comédia e que deveria ser um texto de um autor consagrado. Queríamos que fosse um autor nacional. Pesquisamos várias possibilidades mas acabamos concluindo que o mais interessante seria Jorge Amado.
A partir daí lemos vários de seus romances até chegarmos ao esplêndido "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água". Esse texto parecia que tinha sido escrito para nós... e, os problemas relativos à quantidade de personagens ser maior que a possibilidade do elenco encenar, resolvemos que utilizaríamos bonecos.
Em pouco mais de três meses já havia feito a adaptação e iniciado o preparo dos atores... Nesse meio tempo surgiu a possibilidade de irmos para a Bahia conhecer melhor o universo das personagens que iríamos encenar. Durante janeiro de 1995 estivemos em Ilhéus e Salvador... conhecemos as vielas por onde nosso personagens transitaram, os cortiços que moraram... Entendemos melhor Jorge Amado.
Mas o melhor estava por vir. Certo dia, enquanto estávamos no hotel, uma das atrizes do elenco, Isabel Cristina, resolveu telefonar para a residência de Jorge Amado e verificar a possibilidade de ele nos atender para falar um pouco mais de Quinca Berro D'água... A secretária dele pediu para retornarmos a ligação alguns minutos mais tarde e, quando assim fizemos, surgiu a
oportunidade de conversarmos com ele por 20 minutos. Depois, ele teria uma sessão com o fisioterapeuta.Fomos para sua casa e tivemos a oportunidade de conversar com ele, Zélia Gattai e sua filha Paloma... quando estava quase na hora de irmos embora, ele nos informou que poderíamos conversar mais porque a sessão de fisioterapia havia sido cancelada...
Ele contou tantas histórias sobre as personagens, Salvador e seu universo...
Foi um dos momentos mais importantes de minha vida... e, para mim, um momento especial quando perguntei-lhe sobre as adaptações que fazem de seus textos. Muito gentilmente, Jorge Amado disse que aceitava todas as adaptações porque sempre tenham algo a contribuir!!! Como contribuir com obras-primas????
Voltamos de Salvador empolgados, mas descobri que não teria capacidade para dirigir o espetáculo que havia escrito... a companhia teatral cindiu-se e "Quincas Berro D'água" nunca saiu do papel...

QUINCAS - ME ENTERRO COMO BEM ENTENDER
NA HORA QUE RESOLVER.
PODEM GUARDAR SEU CAIXÃO
PARA MELHOR OCASIÃO.
NÃO VOU DEIXAR ME PRENDER
EM COVA RASA NO CHÃO.
...DEIXAR ME PRENDER
EM COVA RASA NO CHÃO.

Por essa beleza de texto que inspirou a peça que considero um de meus melhores trabalhos... Também, guardo uma lembrança bonita desse momento por mais duas razões: primeiramente porque foi minha primeira adaptação de uma obra literária; e, segundo, porque tive a oportunidade de conversar com Jorge Amado sobre seu processo de criação. Por isso, mesmo que "Quincas..." não tenha sido montado naquela ocasião, ensinou-me muito!

LOVE IS LOVE PARA SEMPRE

Agora que estou escrevendo esse blog, sou obrigado a relembrar de projetos e experiências dramatúrgicas que não me lembrava mais que tinha feito. Algumas delas tiveram resultado bastante interessante, dentre elas, queria falar de “Love is Love para sempre”.
Escrevi esse musical em 1993. Na época pensei em utilizar um espaço alternativo da cidade de Jundiaí para que o grupo teatral que eu trabalhava expandisse suas possibilidades artísticas. Entramos em contato com uma casa de shows e eu iniciei a pesquisa musical... E que pesquisa – um segundo desafio porque não conhecia esse gênero musical e, tampouco gostava do estilo!!!
Com o grande auxílio de Claudinei Brandão, passei a ouvir muitas músicas das décadas de 70 e 80 que tivessem apego popular – ou seja, bregas! Horas e horas ouvindo José Augusto, Jane e Herondi, Perla, Gigliard, Grupo Dominó, Moacir Franco, Barros de Alencar, Antônio Marcos, Waldick Soriano, Odair José... e todos mais que o Claudinei conseguiu junto as suas fontes!
Escrevi uma peça que tivesse o formato de um programa de auditório e que os dois apresentadores recebessem seus convidados... Esses convidados cantariam as músicas escolhidas dentre o repertório que selecionei e, ao mesmo tempo, teriam suas vidas envolvidas em assuntos relacionados a dos apresentadores.
Haveria música ao vivo e os atores da companhia teatral interpretariam os cantores-convidados... Fizemos algumas leituras do texto, mas... por razões que nem mais me lembro – acredito que tenha sido algum problema relacionado à produção, falta de dinheiro! –, a peça não saiu.Reli essa peça anos atrás e ainda consegui rir com o “humor brega popular” dos dois apresentadores de “Love is Love Para Sempre” – Vaninha e Lourival –, isso me fez crer do potencial do espetáculo... um tipo de humor que não mais consegui reproduzir... nem fui desafiado a fazê-lo!

domingo, outubro 29, 2006

DISCURSOS TRANCADOS NUMA ILHA VAZIA

Tinha me esquecido de comentar sobre esse texto. “Discursos Trancados numa Ilha vazia” é anterior à “Dias Difíceis Dentro Da Dor Do Desencontro”, é um dos textos mais depressivos que escrevi. A história de três personagens que perderam a razão de viver e, por mais que neguem isso, constatam que o mundo não foi feito para eles.
A história se passa num bar decadente... poucos clientes e menos perspectivas ainda de que ali surja a razão para continuarem vivendo. Depois que as portas se fecham, Jordão (o dono do bar), Lenny (uma espécie de animador do bar, que conta piadas e casos) e Kamilla (uma prostituta muito bonita) expõem suas mazelas e tristezas... revelam segredos, desejos e decepções.
Escrevi esse texto num momento bem deprê de minha vida... já fiz algumas leituras com atores, mas nunca montei... É um dos textos que gosto pelas opções dramatúrgicas que utilizei... mesmo sendo um dos primeiros a ter sido escrito, já tentei impor uma linguagem que viria desenvolver futuramente... seca e dinâmica...O cartaz utilizado é uma explícita referência ao filme que também me influenciou: Lenny.
Curiosamente, o nome Kamilla ainda seria utilizado por mim em vários outro personagens importantes, no entanto, essa constatação foi de um amigo que já leu várias peças minha... nunca utilizei propositalmente!

sábado, outubro 28, 2006

UM DOCE DE MENINA

Nem tudo que escrevi, nos loucos anos de 1994, acabou sendo encenado. A peça "Um Doce de Menina" é um exemplo disso. Como havia muitas produções ao mesmo tempo na companhia teatral que eu fazia parte e, nem todos os atores participavam de todas as peças, certo dia, Elaine Braga, Felipe Nonato e Vanderlei Ienne pediram para que eu escrevesse uma peça para eles... Outra encomenda, mas a única coisa que pediram era que fosse para apenas três personagens...
Pensei bastante e acabei criando uma trama rural, mas com alguns aspectos trash... A história de uma doce menina que vai morar na casa de um poderoso fazendeiro e o seduz até que consegue se casar com ele. Mas, não satisfeita, passa a envolver o capataz num triângulo amoroso...
Fizemos várias leituras mas a montagem não saiu... Alguns anos mais tarde (1998), Antônio de Andrade, que já havia encenado "O Trambique Nosso de Cada Dia", dirigiu a leitura dramática desse texto na Sociedade Gastão Tojero, em São Paulo.
Com um humor negro e, algumas vezes, fora do convencional, o público que assistiu à leitura acabou se envolvendo e divertindo-se bastante...
Mas devo aos meus amigos Vanderlei, Felipe e Elaine, mais essa criação!

THE BEST CONTRA O HOMEM DA CABINE

"The Best..." foi criado de uma maneira bastante inusitada. Haveria um Festival de Monólogos em São Paulo, no TBC, e o grupo de teatro o qual eu trabalhava queria muito poder participar.
Eu nunca gostei de monólogos, tinha bastante dificuldade de escrevê-los... Na verdade, já havia escrito um anterior para a atriz Fernanda Regia participar de outro festival, mas tinha sido minha única experiência e eu achava que seria a última!
Enfim, surgiu o Festival e eu me comprometi a pensar em algum argumento, assim, caso sentisse que seria possível desenvolvê-lo, faria o monólogo. Lembrei-me de que havia escrito um monólogo cuja ação se passava na Idade Média, num castelo qualquer. A Fernanda leu o texto e ficou sem coragem de dizer-me o quanto era ruim.
Conversando com os atores do grupo, comentei como era ruim o monólogo que se chamava "Vá dar um beijo na boca dela antes que morras!". Acharam que era muito trash, então, aos nos estendemos na conversa, passamos a falar das falhas que aconteceram durante os espetáculos, os Festivais, etc... Pensei um pouco mais e surgiu o monólogo "The Best contra o Homem da Cabine".
Elaine Braga foi escolhida para fazer a personagem e a direção coube ao meu grande amigo, Claudinei Brandão. Ensaiamos e a peça estreou no final de 1993, no Festival de Monólogos do TBC.
Nessa primeira apresentação aconteceu a cena mais inusitada que nunca imaginei... Logo na primeira cena, Elaine entrava em cena muito tensa, demonstrando dificuldade para expressar seu texto... A tensão chega num limite tal que, sem conseguir se controlar, a Elaine parou a peça, pediu desculpas ao público e disse que iria recomeçar...
Um dos jurados levantou-se furioso e disse que era um absurdo um ator interromper o espetáculo... que ele deveria ir até o fim, qualquer que fosse o problema! A platéia começou a comentar enquanto as luzes continuavam apagadas... Segundos depois, a Elaine voltou ao palco e deu continuidade ao espetáculo... o jurado morreu de vergonha ao perceber que aquele início fazia parte da peça... Acabei ganhando um prêmio por esse texto no Festival...
Onde quer que a montagem fosse, sempre gerava comentários interessantes. Quando apresentou-se no Festival de Teatro de Vitória da Conquista/BA, não estive presente no debate, mas o Claudinei comentou comigo que um dos jurados afirmou que o grande problema em julgar “The Best...” era que tudo que fosse apontado como falha, a direção poderia alegar que fazia parte da peça... Gostei muito desse comentário, mas o mérito maior foi da direção e da interpretação de Elaine Braga que fizeram com que o espetáculo adquirisse uma grandiosidade que nunca imaginei...Essa foi minha última experiência em monólogos... com “The Best contra o Homem da Cabine”...

MISTÉRIOS

Não dá pra negar que o ano de 1994 foi o mais produtivo para mim no tocante ao desenvolvimento de textos teatrais. Qualquer desafio que surgia, eu aceitava. “Mistérios” nasceu assim. Para participar de uma mostra de teatro em Jundiaí criei uma mini-peça, de vinte minutos, com todos os integrantes do grupo teatral o qual eu fazia parte. Queria fazer algo que fosse diferente do humor que vinha desenvolvendo até então... optei pelo nonsense...
Tinha muito receio de que o público não aceitasse bem a proposta da encenação, mas mesmo assim, com os atores acreditando no projeto, encenamos a história de dois narradores que são convocados para esclarecer as circunstâncias que ocorreram a morte dos irmãos, Irma e Kravo Karamishovisk.
Nos primeiros instantes da encenação, logo após a entrada dos dois narradores, os demais integrantes do elenco cumprimentavam-se mutuamente e davam seus pêsames. O estranhamento do público aumentou, mas assim que os narradores começaram a discutir os fatos obscuros que pautaram a morte dos irmãos – sempre utilizando um português requintado e culto, além de uma polidez quase insuportável na forma com que se tratavam –, houve o convencimento do público e as gargalhadas surgiram.

ORADOR 1 - Tudo é muito estranho, não?!
ORADOR 2 - Estranho seria se estranhássemos toda essa estranheza!
ORADOR 1 - Realmente seria.
ORADOR 2 - Pois se fomos confiados a falar, que falemos.
ORADOR 1 - Não há muito que dizer.
ORADOR 2 - Mas também não há pouco.
ORADOR 1 - Digamos que há, médio.
ORADOR 2 - Médio é uma boa quantia.
ORADOR 1 - Então, por favor, deixemos claro aos espectadores que quando chegarmos a essa quantia, que eles nos interrompam.
ORADOR 2 - Muito bem observado; porque muitas vezes no calor de uma discussão podemos perder as medidas.
ORADOR 1 - Sem mais delongas, conversemos.
ORADOR 2 - Eu gostaria de deixar bem claro que sei tudo sobre a fatídica morte dos irmãos Karamishovisk.
ORADOR 1 - Fico muito envaidecido de saber, mas infelizmente tenho a dizer que ninguém sabe mais que eu.
ORADOR 2 - (com certa irritação) Pois veremos.
ORADOR 1 - Veremos mesmo.
ORADOR 2 - Eles se encontraram pela última vez na sala de estar da mansão. (olha para o meio do palco)


Rir do absurdo daquela situação foi um convite muito bem aceito pelo público... e minha felicidade por ter podido retornar à linguagem que sempre gostei, o “teatro do absurdo”... A mini-peça teve uma carreira curta, mas foi montada novamente anos mais tarde (2005), sob a direção de Sabrina Caíres.

LOS COMPAÑEROS

A grande vantagem de trabalhar com uma companhia teatral é a possibilidade de poder experimentar... e nesse aspecto, enquanto estivemos juntos pude criar muita coisa... Los Compañeros nasceu em 1994, de uma parceria com a atriz Fernanda Régia. Estávamos pensando em um texto que tivesse a intensidade de um romance latino, mas que, ao mesmo tempo, fosse engraçado.
Assim nasceu essa pequena performance cômica, de apenas vinte minutos... utilizando o talento musical de Claudinei Brandão... nosso violeiro... narrava-se a trágica história de Carmen e Lola! O narrador, Leonel Benatti, também foi o destaque da performance!
Com muitos clichês... Los Compañeros foi uma diversão fazer e outra maior ainda, assistir.
Los Compañeros teve apenas poucas apresentações, mas ainda hoje me divirto ao ler o texto... patético!

IMAGENS DA AVENIDA...

Depois de 1994 deixei a Avenida para continuar minha trajetória dramatúrgica... mas as imagens ficaram... belas imagens de pessoas inesquecíveis...

As personagens trambiqueiras, Camila e Laura, convencendo a pobre empregada Cida.

Os três amigos em mais um encontro na decadente boate da Dona Irineusa... Carlinhos, o ator que acredita ser um sucesso mas vive de figuração; Guilherme, o milionário apaixonado pela dona da boate, mas que não tem seu amor correspondido; e, Pedrão, o guerrilheiro atormentado, que pensa ser a figura central no processo de resistência...

Cida, Dona Irineusa e Meire Blue...

DESPEDINDO DA "AVENIDA IPIRANGA"

Por tudo que a montagem de "Av. Ipiranga, 1972" me proporcionou, pensei que deveria fazer uma homenagem aos atores no dia da última apresentação. Pensei muito em como fazer, até que decidi que faria uma narração final narrando como seria o futuro de cada personagem. A peça terminava com o "congelamento" dos atores e as luzes baixando, então, pedi para a atriz Fernanda Regia gravar um off para mim e somente nós dois e o operador de som, Leonel Benatti sabiam da surpresa. Assim que foi dita a última fala, o Leonel colocou a música "With a little help to my friend" e entrou a narração da personagem da Fernanda (Laura) fazendo seu relato... Todos ficaram muito emocionados e começaram chorar em cena, mas sem poderem se mexer porque as luzes baixaram mais lentamente ainda...
Talvez não seja tão interessante para quem não viveu todos aqueles momentos juntos, mas esse foi o relato que usei na despedida:

Não sei quantas vezes ainda fomos à boate... um dia chegamos... portas fechadas... nenhum bilhete.
Soube, depois, que a Nenê e Guilherme desistiram de tudo e saíram num cruzeiro pelo mundo... sem data para voltar.
Durante muito tempo Valente ia toda manhã à boate para trabalhar... sentava a sua porta... esperava alguém ou alguma bebida... e nada. Levantava e ia embora, na esperança de que no dia seguinte tudo voltaria ao normal.
Meire Blue, ou melhor, Mary Blue... mudou seu nome e sua vida, foi para a Broadway, fez sucesso e nunca mais voltou... esqueceu de todos... dizem que hoje, nem mais sabe falar português.
Pedrão, após algum tempo, recuperou-se, mas nunca abandonou sua postura de militante. Hoje é um deputado que ainda luta por seus ideais... só que com outras armas!
Cida perdeu o encanto por Carlinhos e casou-se com um playboy do Guarujá. Levou tudo, até os trigêmeos... que logo após, Carlinhos descobriu não serem seus os filhos. A partir daí, o Boqueirão nunca mais foi o mesmo. Ele, que já havia abandonado a vida de conquistador para casar-se com Cida, agora abandonava de vez a vida. Perambulou pela praia por vários dias, sentou na areia e morreu olhando o mar!
Tanto tempo de procura e tudo tão próximo... pelo menos para Camila, que, após uma vida de emoções e buscas, se encontrou ao lado de seu marido... cuidando de sua casa e de sua filha Patrícia. Indo ao supermercado, à escola, ao parque de diversões... sendo feliz!
Eu? Continuo procurando, procurando e me procurando, pois se tivesse me encontrado, perderia o mundo que vivi... e sei que hoje não tenho mais capacidade para outro. Resta-me agora apenas me esconder atrás de fotos e recordações de uma Av. Ipiranga, 1972!
(Narração após a última apresentação da peça em 16/10/1994)

O DISCURSO DO VALENTE

"Av. Ipiranga, 1972" é uma peça de época, uma comédia simples e que fazia o público rir... rir muito... mas em um determinado momento, quando as personagens de Fernanda Costa (Laura) e Lívia Brigoni (Camila) não conseguiam dar mais um golpe, faziam uma pergunta para o garçom Valente (Felipe Nonato), e uma das partes mais inusitadas da peça começava... um discurso que, por não ter qualquer significado objetivo, fazia o público rir ainda mais... é claro que esse discurso só alcançou o público daquela maneira devido à interpretação de Felipe... sempre muito inspirado... Nessa foto acima, outra cena muito engraçada do personagem, com Isabel Cristina (Meire Blue) e Elaine Braga (Cida)...
Presenteio vocês com o discurso de Valente:

LAURA - Valente, você já se viu desamparado no mundo?
VALENTE - (senta à mesa) Foi um dia, Dona Laura Maria.
CAMILA - Mas Valente, não é triste ver uma criancinha indefesa, como eu, ter que passar por tanta dificuldade?
VALENTE - Então, (toma um gole da bebida de Laura) é triste. É uma tristeza tristézima que vem entristecendo a tristeza e parece que nunca mais vai embora, mas de repente, o dia não acorda, porque nem sempre, a hora que o relógio toca pode interromper a vida das criaturas melancólicas que persistem em anda pelas ruas da nobre e enfeitiçada que, antes de ser a mais caótica de todas, servia para aliviar as tristezas que sempre surgiam diante dos olhos das pessoas que ficavam magneticamente paradas diante da amargura e do sofrimento que, por mais que se diga não, sempre que dá um espaço, ele, mesmo sem notar, quer saber se o novo amanhã é realmente algo para se pensar numa fase posterior de reencarnação, ou, se diante da neblina escura que vai tomando conta dos nossos quintais... será que ainda é possível pensar numa nova esperança de vida? Ou será que as crianças que plantaram o feijão, dentro do copinho de iogurte com algodão e água, sabem que, mesmo que a noite caia, não vai adiantar mostrar pra mamãe o retrato da menina mais bonita da classe, porque, diante da tristeza acondicionada na garrafa de bebida barata, as novas reflexões políticas que ainda virão, não poderão substituir a força da palavra, que, por mais que se cale diante do grito, ainda ecoará nas lembranças dos pobres infantes, que, na primeira noite de melancolia e dor, não voltaram para a casa sem antes duelar com as forças que queriam se sobressair à vontade do povo, mesmo que, por mais de oito vezes, quem podia, voltou para a pequena capela, dentro da rua que ficava ao lado da praça, que as crianças, ainda inocentes, brincavam nos dias de sol em que Deus privilegiava a beleza do inconsciente coletivo... sabendo que noutra vida posterior não haveria mais tranqüilidade para que alguém pudesse divulgar suas idéias e convicções políticas, não sendo mais que uma mera e pura ideologia barata. (olha para Camila) É triste! (toma mais um gole da bebida de Laura)

quarta-feira, outubro 25, 2006

UMA "ESCOLA" CHAMADA "AV. IPIRANGA, 1972"

“Av. Ipiranga, 1972”, além de ter sido uma escola para meu aprimoramento dramatúrgico, porque tive que escrever um texto por encomenda e respeitar algumas especificidades impostas, ensinou-me como trabalhar com atores e como explorar suas possibilidades. Não quero dizer, com isso, que meu trabalho de diretor tenha sido tão bom, mas aprendi a conhecer melhor os atores para escrever para eles, usar a fala exata que caiba na boca deles.
E fiz grandes amigos... alguns ficaram para sempre e hoje ainda trabalham no meio artístico, outros mudaram de ramo mas continuam próximos. Pensar em “Av. Ipiranga, 1972” é lembrar de tempos românticos e guiados pelo idealismo, lembrar de atuações como a de Felipe Nonato – um garçom que ficava em silêncio a peça inteira, mas num determinado momento fazia um monólogo que deixava o público encantado, sem saber o que era aquilo e se era verdadeiro –, Claudinei Brandão – um guerrilheiro que vivia apavorado, trancado na boate e com receio de que fosse preso pelos militares –, Elaine Braga – um empregada impagável, no melhor estilo do gênero –, Fernanda Regia e Lívia Brigoni – uma dupla de mãe e filha que, com seus golpes constantes contra a dona da boate, abavam as platéias –, Vanderlei Ienne – fazendo um personagem silencioso, tímido, mas hilário –, Isabel Cristina – o toque musical do espetáculo, nunca sonhar com a participação em “Hair” foi tão fiel quanto em sua interpretação –, dentre outros que sempre encontravam espaço para brilhar!

AVENIDA IPIRANGA, 1972

Enquanto as apresentações de “Dias Difíceis...” transcorriam pelo ano de 1993, os dois atores que faziam parte do elenco da peça e também participavam do recém-criado Grupo Teatral Jundiaí Presente, convidaram-me para assistir a um ensaio do grupo e conhecer sua diretora, Kátia Zanatta. Ela pretendia que sua companhia estreasse com uma peça bastante engraçada e que tivesse alguns aspectos místicos. Discutimos sobre a quantidade de personagens que ele queria e como deveria ser a história, ficamos boas horas falando sobre como seria a peça.
Ao final da conversa ela me convidou para escrever a peça. Em princípio pensei em não aceitar, disse a ela que não entendia nada de misticismo, tampouco gostava do tema. Ela insistiu e eu aceitei.
Logo no primeiro tratamento do texto percebi que seria impossível fazer o que ela pretendia. Cheguei a escrever um texto que se passava durante na década de 1970, numa boate decadente da Av. Ipiranga, em São Paulo. No entanto, nesse mesmo ambiente havia um plano paralelo com personagens semelhantes, mas vivendo dramas espirituais. Nunca tinha escrito algo tão brega!
Mostrei o texto para a Kátia, ressaltei o quanto era rim e já dei a solução para ele: se ela quisesse que a peça alcançasse o público, que fosse suprimida toda a parte mística. Ela não gostou muito da idéia, mas depois que leu o texto percebeu que a proposta dela era muito ruim. Ainda discutimos um pouco mais, mas alguns dias depois eu apresentei uma versão do texto somente com a parte realista, e ele ficou encantada!
Enquanto o grupo ensaiava “Av. Ipiranga, 1972”, eu continuava com “Dias Difíceis...” em cartaz. Depois de algum tempo o grupo foi me procurar pedindo para que eu assumisse a direção de “Av. Ipiranga”. Relutei um pouco, mas depois de conversar com a Kátia, aceitei.
Estreamos em Jundiaí e o espetáculo foi um sucesso de público, uma comédia de costumes muito engraçada. A grande infelicidade aconteceu na semana seguinte, quando a Kátia sofreu um acidente de moto e veio a falecer.
Ainda abalados pela perda, mas pensando em continuar seu projeto, convidamos a atriz e amiga da Kátia, Isabel Cristina, para substitui-la. A peça continuou sua carreira e participou de vários festivais. Onde havia votação de júris populares a peça foi muito bem recebida, também ganhou alguns prêmios.Uma das marcas mais fortes da peça foi a caricatura dos personagens que ilustrava o cartaz. Meu grande amigo Eduardo Berol – hoje um grande advogado em Jundiaí – presenteou o grupo com sua versão dos personagens.

terça-feira, outubro 24, 2006

O TRAMBIQUE NOSSO DE CADA DIA

Em pouco mais de um ano, depois de estar sendo muito feliz com as premiações que a encenação de “Dias Difíceis...” vinha tendo nos Festivais de Teatro que participava, tive a oportunidade de ver o mesmo texto montado, mas completamente diferente.
Como havia dito antes, Antônio de Andrade tinha gostado muito do texto e logo adquiriu os direitos para encená-lo em São Paulo. Eu fiquei fascinado com a possibilidade de ver meu texto em cartaz na cidade, em temporada regular e tudo mais... A empolgação era tanta que nem discutimos como ele pretendia montá-lo.
De certa forma, esse distanciamento que tive da montagem paulistana, possibilitou com que eu ficasse surpreendido ao assistir a estréia. “Dias Difíceis...” partia de uma proposta realista, mais ou menos no estilo das minhas demais peças, mas “O Trambique...” transformou a peça num grande momento clown. Completamente diferente de qualquer coisa que eu havia pensado um dia.
Essa linguagem possibilitou que a personagem Olívia, interpretada pela atriz Claudia Mello (hoje nacionalmente conhecida por suas participações em novelas e no seriado “A Diarista”), ganhasse uma dimensão até antes impensada por mim.
O personagem interpretado por Antônio de Andrade tornou-se mais contido, em alguns aspectos, servia como escada para Claudia fazer o público rir. Também não posso deixar de ressaltar a qualidade do trabalho de Ary Guimarães. Interpretando Messias – que eu havia feito por algum tempo em “Dias Difíceis...” – ele dava tanta credibilidade à fé do personagem que tive certeza de que ele havia ampliado as possibilidades do texto.
Antônio de Andrade tornou-se um grande amigo meu, um padrinho querido. Mas, por uma infelicidade, faleceu há dois anos... Mas foi o primeiro a acreditar em um texto meu a ponto de assumir a produção, interpretar um personagem e expor-me no cenário teatral paulistano. Depois de “O Trambique...” tive certeza de que outros diretores montando meus textos ampliariam suas possibilidades... De fato, assim transcorreu.

segunda-feira, outubro 23, 2006

O VERDADEIRO PREFÁCIO

Assim que fiquei sabendo que teria meu texto de “Dias Difíceis...” publicado pela Editora Literarte, pensei em quem poderia falar sobre meu trabalho, apresentar-me. É complicado pedir para um amigo escrever sobre você, nunca se sabe até que ponto há o comprometimento de suas palavras.
Pensando nisso, tive a idéia de convidar para fazer o prefácio de meu livro uma das pessoas que possibilitaram com que ele fosse contemplado com o prêmio de melhor texto no Festival de Teatro de Jundiaí.
Admirava muito o trabalho de Moisés Miastkwosky, mas não sabia se ele aceitaria fazer o prefácio. No entanto, deixei de lado o receio e fui procurá-lo. Sua recepção foi melhor do que eu poderia esperar. Ele comprometeu-se a fazê-lo prontamente.
Na época havia dado um determinado prazo para que ele me enviasse o texto do prefácio, mas o editor, devido a problemas técnicos, adiantou a publicação e, quando o Moisés enviou o texto, não foi possível incluí-lo naquela edição.
Fiquei muito chateado com a não publicação do prefácio do Moisés, primeiramente porque ele havia cumprido com o prazo e, segundo, porque tinha escrito palavras sobre mim que poucas pessoas proferiram. Talvez, daquela maneira, só ele até então.
Mas seu prefácio acabou se transformando numa matéria do Jornal da Cidade (Jundiaí/SP) e foi publicado por ocasião do lançamento do livro, em 1º de maio de 1994. Ainda hoje guardo o original de seu prefácio e o considero a melhor crítica que tive de meu trabalho. E um voto de confiança que poucas pessoas nos dão.
Como esse prefácio não constou no livro, a partir de hoje estará disponível para todos saberem o quão gentil foi esse grande diretor e amigo que tive a oportunidade de encontrar na vida.
Obrigado Moisés!

Um Jovem Dramaturgo

Por Moisés B. Miastkwosky*

Tive a oportunidade de conhecer Renatho Costa em um Festival de Teatro promovido pelo Departamento de Cultura da cidade de Jundiaí, quando fiz parte da comissão julgadora e teci elogios sobre as suas peças: “DIAS DIFÍCEIS DENTRO DA DOR DO DESENCONTRO” e “AVENIDA IPIRANGA, 1972” e depois em outro Festival de Teatro, em São Paulo, no TBC (Teatro Brasileiro de Comédia), quando o seu grupo apresentou um intrigante monólogo intitulado “THE BEST CONTRA O HOMEM DA CABINE”.
Foi nesse dia que Renatho, com seu jeito tímido e amigo, chegou até mim e perguntou se eu faria o prefácio de um livro de peças de sua autoria, prêmio que ele ganhou de um editor da cidade, respondi que sim e que seria uma honra.
Nesses anos todos que eu participo como jurado de festivais e ministrando cursos e oficinas por estes “Brasis”, e mesmo quando coordenava os Festivais de Teatro pela Secretaria de Cultura do Estado, era raro encontrar, e posso afirmar sem medo de errar, alguém tão jovem que escrevesse com tanta segurança, inteligência e astúcia.
É óbvio que Renatho ainda sofre influências de autores renomados, mas isso em momento algum desmerece o artista nato que é, e eu poder escrever algo sobre ele é de grande importância, porque é um autor que está despontando com garra, talento e vontade de acertar, e é minha função apoiar e incentivar aqueles que lutam pelas Artes.
Creio que em breve os diretores e grupos irão descobrir o teatro de Renatho Costa. Esse jovem autor supera a si mesmo, se transpõe em suas obras, coloca em cena a solidão como se extraísse de seu próprio sofrimento, da sua própria dor, consegue passar sua arte com facilidade e a platéia torna-se sua cúmplice, reflete e analisa suas denúncias e buscas.
Quem assiste às suas peças sente de imediato a preocupação desse jovem autor com o ser humano, com os Direitos do Homem, suas contradições e fraquezas.
Suas obras são ferramentas de denúncias e externam paixões e aspirações; muitos tentam mudar o mundo, Renatho optou por mudá-lo através do Teatro. Ama o que faz e só poderá ter sucesso nessa empreitada.
Parabéns Renatho, vá em frente que a estrada é longa e cansativa, quero ver você em breve como um dos maiores Dramaturgos do Teatro Nacional.

São Paulo, 20 de janeiro de 1994

* Diretor de Teatro há mais de 36 anos, encenou mais de 100 espetáculos e estagiou Teatro em importantes centros de Arte da Europa e Estados Unidos.

PUBLICAÇÃO DE "DIAS DIFÍCEIS..."

Em 1993, depois de a montagem ter participado do II Festival de Teatro da Cidade de Jundiaí/SP, e ganho o prêmio de "melhor texto", uma editora local, Literarte, presenteou-me com a publicação do texto.
De certa forma, essa publicação ajudou ainda mais na divulgação de "Dias Difíceis...". A noite de lançamento do livro culminou com a primeira temporada do espetáculo num espaço alternativo na cidade de Jundiaí. Na época havia uma escola de arte dramática na cidade e "Dias Difíceis..." foi encenado durante dois meses, aos finais de semana...
Não é possível dizer que tenha sido um sucesso de público, mas o espetáculo agradou bastante a quem teve a oportunidade de assisti-lo e fez com que a montagem ganhasse ainda mais ritmo para participar de outros festivais.

DIAS DIFÍCEIS DENTRO DA DOR DO DESENCONTRO


Em 1991 assistia à montagem da peça "Esperando Godot", de Samuel Beckett, com Denise Fraga e Rogério Cardoso. Foi uma sessão alternativa, não me lembro se numa segunda ou terça-feira, mas o fato é que havia pouca gente na platéia... Essas poucas pessoas, como eu, tiveram a oportunidade de assistir a um espetáculo impossível de adjetivar. A peça tem apenas dois atos, mas creio que se tivesse dez, talvez vinte, ainda assim seria possível assisti-la. Principalmente se considerarmos as interpretações de Denise e Rogério. Ela, a Denise, também estava em cartaz com outro espetáculo em horário convencional, "Trair e coçar é só começar", mas sobre esse não tenho muito a falar...
"Esperando Godot" mexeu demais comigo... não conseguia deixar de pensar como uma história tão simples como aquela tinha a capacidade de gerar tantos questionamentos e angústias... Fiquei vários dias envolvido com a montagem... até que decidi que iria escrever uma peça daquele gênero: "Teatro do Absurdo"!
Ainda envolvido com o universo de Beckett, escrevi "Dias Difíceis Dentro Da Dor Do Desencontro"... primeiro criei o nome da peça e fiz seu logotipo, depois nasceram os personagens Ismênio e Olívia e... assim, não tive mais controle sobre suas vidas... nascia a história da amizade entre duas pessoas que transcorria "uma vida". Dois trambiqueiros que chegaram a um momento de suas vidas que precisavam repassá-la... Param no meio de nada e falam sobre coisas "pequenas", mas que têm grande significado.
A peça estreou no Festival de Teatro da Cidade de São Paulo (FEPAMA), no Teatro Alfredo Mesquita e, dali, fez carreira por vários outros festivais do Brasil. Tive a grande felicidade de ganhar alguns prêmios pelo texto e os atores também foram premiados.
Numa das apresentações pelo interior de São Paulo conheci Antônio de Andrade. Ele ficou encantado com o texto e fez sua própria montagem no ano seguinte (1993) no TBC (São Paulo). Nessa temporada a peça se chamou "O Trambique Nosso De Cada Dia", Com Antônio de Andrade e Claudia Melo... Mas sobre isso falarei depois... Mesmo sobre "Dias Difíceis...", lembro-me de passagens interessantes que gostaria de compartilhar... Mas, por ora, queria que soubessem como começou minha carreira de autor teatral!