Gostaria muito que essa peça estivesse ao nível do grande filme de Buñuel, no entanto, a semelhança com meu texto se resume ao nome.
"Os Esquecidos" foi escrito em uma noite. Comecei a fazê-lo como se, de fato, estivesse ouvindo a conversa entre os dois personagens - Guel e Reginho.
A história é bem simples: após uma acidente aéreo, os dois únicos tripulantes tentam encontrar maneiras para continuarem vivos. As discussões entre eles se alternam. Em alguns momentos um acredita que será possível sair vivo dali, no seguinte já não acredita na salvação.
A trama se desenvolve até chegar ao climax onde uma revelação é feita.
Por duas vezes essa peça entrou em pré-produção, no entanto, ainda não foi montada. Tive a oportunidade de conversar com as pessoas que adquiriram os direitos para a montagem do texto na época e, meu maior questionamento se dava no sentido de saber o porquê de eles terem escolhido justamente esse texto.
A resposta nem sempre era simples de ser dada... por alguma razão não muito objetiva, a conversar e os dilemas dos personagens eram os fatores que mais chamavam a atenção.
Algum tempo depois de ter escrito o texto, um amigo muito próximo o leu e perguntou-me o porquê de eu ter feito um texto tão pessoal. Naquele momento não havia entendido como ele chegara àquela conclusão. Ele, que conhecia muito minha vida e minhas peças, disse: "parece que você está conversando com seu irmão!". Ele havia morrido alguns meses antes...
Acredito que tenha sido a última conversa que não tive com meu irmão... uma discussão sobre temas que nunca foram colocados à mesa... Mas, antes de tudo, é uma peça que gostei da maneira como desenvolvi o texto... espero que em breve possa vê-la montada!
GUEL CORRE E SENTA-SE NOVAMENTE NO ALTO...
REGINHO - Você tá mais calmo?
GUEL - Igual.
REGINHO - Vê se consegue enxergar alguém por aí.
GUEL - (desiludido) Eu nem sei quanto já fiquei aqui esperando enxergar alguém.
REGINHO - Quem sabe não vai ser hoje.
GUEL - Por que hoje?
REGINHO - Porque não foi ontem.
GUEL - E nem será amanhã.
REGINHO - Se você tá tão desanimado assim, então por que olha?
GUEL - (amargurado) Porque ainda não fiquei cego.
REGINHO - Você se importa se eu subir aí com você?
GUEL - Você nunca gostou de lugares altos.
REGINHO - Tudo bem, se você não quiser...
GUEL - Faça o que quiser.
REGINHO SOBE CUIDADOSAMENTE E SENTA-SE AO LADO DE GUEL...
REGINHO - Daqui você tem uma boa visão de tudo.
GUEL - Que não me serve pra nada.
REGINHO - Basta pela beleza.
GUEL - Há muito tempo que isso deixou de ser belo.
REGINHO - Então foi algum dia.
GUEL - Num passado remoto.
REGINHO - Por que você não tenta reviver esse passado?
GUEL - Pra quê?
REGINHO - Talvez seja melhor pra você.
GUEL - Não vejo no que melhoraria minha vida.
REGINHO - Você deixaria de ser tão amargo e poderia enxergar alguma saída nesse marasmo que nos encontramos.
GUEL - Não há saída, vamos morrer.
REGINHO - Mas isso te preocupa tanto?
GUEL - Acho que sim.
REGINHO - Como?
GUEL - Deve doer muito.
REGINHO - O que mais te assusta na morte?
GUEL - A dor.
REGINHO - A dor na carne?
GUEL - A dor simplesmente... de toda maneira que ela possa se manifestar.
REGINHO - E se não houver dor?
GUEL - Sempre haverá.
REGINHO - Como você sabe?
GUEL - Eu sinto.
REGINHO - Você sente a dor da morte?
GUEL - É uma dor sem nome, apenas dói.
REGINHO - Vai passar.
GUEL - Quando, se desde que chegamos aqui ela só faz doer ainda mais?!!!
REGINHO - Mas vai passar.
GUEL - Só se for quando eu morrer.
REGINHO - Você não vai estar sozinho.
GUEL - Eu sinto que nós estamos cada vez mais distantes.
REGINHO - (abraça Guel) A gente vai sair daqui juntos!
GUEL - Você ainda acha que a gente sai daqui?
REGINHO - Não sei se isso tem tanta importância.
GUEL - Parece que você já se conformou com a morte.
REGINHO - Eu não tenho medo dela.
GUEL - Nem da dor?
REGINHO - Mas que dor é essa?
GUEL - Uma dor latente e crescente.
REGINHO - Pois eu não tenho medo dela.
GUEL - Eu não gostaria de senti-la.
REGINHO - Mas é inevitável?
GUEL - A dor sempre vai arder!
REGINHO - E não tem jeito de evitar?
GUEL - Não morrendo.
REGINHO - Nós estamos vivos!
GUEL - Até quando?
REGINHO SOLTA O BRAÇO LENTAMENTE DOS OMBROS DE GUEL E VAI SE AFASTANDO... PERMANECEM SENTADOS DISTANTES, OLHANDO PARA FRENTE...
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