terça-feira, outubro 31, 2006

A MORTE E A MORTE DE QUINCAS BERRO D'ÁGUA

O segundo semestre de 1994 foi marcado pelo final das produções que estavam em andamento na Cia Teatral que eu participava e início de um projeto que visava ampliar sua visibilidade.
Havíamos chegado à conclusão de que deveríamos montar uma comédia e que deveria ser um texto de um autor consagrado. Queríamos que fosse um autor nacional. Pesquisamos várias possibilidades mas acabamos concluindo que o mais interessante seria Jorge Amado.
A partir daí lemos vários de seus romances até chegarmos ao esplêndido "A Morte e a Morte de Quincas Berro D'água". Esse texto parecia que tinha sido escrito para nós... e, os problemas relativos à quantidade de personagens ser maior que a possibilidade do elenco encenar, resolvemos que utilizaríamos bonecos.
Em pouco mais de três meses já havia feito a adaptação e iniciado o preparo dos atores... Nesse meio tempo surgiu a possibilidade de irmos para a Bahia conhecer melhor o universo das personagens que iríamos encenar. Durante janeiro de 1995 estivemos em Ilhéus e Salvador... conhecemos as vielas por onde nosso personagens transitaram, os cortiços que moraram... Entendemos melhor Jorge Amado.
Mas o melhor estava por vir. Certo dia, enquanto estávamos no hotel, uma das atrizes do elenco, Isabel Cristina, resolveu telefonar para a residência de Jorge Amado e verificar a possibilidade de ele nos atender para falar um pouco mais de Quinca Berro D'água... A secretária dele pediu para retornarmos a ligação alguns minutos mais tarde e, quando assim fizemos, surgiu a
oportunidade de conversarmos com ele por 20 minutos. Depois, ele teria uma sessão com o fisioterapeuta.Fomos para sua casa e tivemos a oportunidade de conversar com ele, Zélia Gattai e sua filha Paloma... quando estava quase na hora de irmos embora, ele nos informou que poderíamos conversar mais porque a sessão de fisioterapia havia sido cancelada...
Ele contou tantas histórias sobre as personagens, Salvador e seu universo...
Foi um dos momentos mais importantes de minha vida... e, para mim, um momento especial quando perguntei-lhe sobre as adaptações que fazem de seus textos. Muito gentilmente, Jorge Amado disse que aceitava todas as adaptações porque sempre tenham algo a contribuir!!! Como contribuir com obras-primas????
Voltamos de Salvador empolgados, mas descobri que não teria capacidade para dirigir o espetáculo que havia escrito... a companhia teatral cindiu-se e "Quincas Berro D'água" nunca saiu do papel...

QUINCAS - ME ENTERRO COMO BEM ENTENDER
NA HORA QUE RESOLVER.
PODEM GUARDAR SEU CAIXÃO
PARA MELHOR OCASIÃO.
NÃO VOU DEIXAR ME PRENDER
EM COVA RASA NO CHÃO.
...DEIXAR ME PRENDER
EM COVA RASA NO CHÃO.

Por essa beleza de texto que inspirou a peça que considero um de meus melhores trabalhos... Também, guardo uma lembrança bonita desse momento por mais duas razões: primeiramente porque foi minha primeira adaptação de uma obra literária; e, segundo, porque tive a oportunidade de conversar com Jorge Amado sobre seu processo de criação. Por isso, mesmo que "Quincas..." não tenha sido montado naquela ocasião, ensinou-me muito!

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