Não dá pra negar que o ano de 1994 foi o mais produtivo para mim no tocante ao desenvolvimento de textos teatrais. Qualquer desafio que surgia, eu aceitava. “Mistérios” nasceu assim. Para participar de uma mostra de teatro em Jundiaí criei uma mini-peça, de vinte minutos, com todos os integrantes do grupo teatral o qual eu fazia parte. Queria fazer algo que fosse diferente do humor que vinha desenvolvendo até então... optei pelo nonsense...
Tinha muito receio de que o público não aceitasse bem a proposta da encenação, mas mesmo assim, com os atores acreditando no projeto, encenamos a história de dois narradores que são convocados para esclarecer as circunstâncias que ocorreram a morte dos irmãos, Irma e Kravo Karamishovisk.
Nos primeiros instantes da encenação, logo após a entrada dos dois narradores, os demais integrantes do elenco cumprimentavam-se mutuamente e davam seus pêsames. O estranhamento do público aumentou, mas assim que os narradores começaram a discutir os fatos obscuros que pautaram a morte dos irmãos – sempre utilizando um português requintado e culto, além de uma polidez quase insuportável na forma com que se tratavam –, houve o convencimento do público e as gargalhadas surgiram.
ORADOR 1 - Tudo é muito estranho, não?!
ORADOR 2 - Estranho seria se estranhássemos toda essa estranheza!
ORADOR 1 - Realmente seria.
ORADOR 2 - Pois se fomos confiados a falar, que falemos.
ORADOR 1 - Não há muito que dizer.
ORADOR 2 - Mas também não há pouco.
ORADOR 1 - Digamos que há, médio.
ORADOR 2 - Médio é uma boa quantia.
ORADOR 1 - Então, por favor, deixemos claro aos espectadores que quando chegarmos a essa quantia, que eles nos interrompam.
ORADOR 2 - Muito bem observado; porque muitas vezes no calor de uma discussão podemos perder as medidas.
ORADOR 1 - Sem mais delongas, conversemos.
ORADOR 2 - Eu gostaria de deixar bem claro que sei tudo sobre a fatídica morte dos irmãos Karamishovisk.
ORADOR 1 - Fico muito envaidecido de saber, mas infelizmente tenho a dizer que ninguém sabe mais que eu.
ORADOR 2 - (com certa irritação) Pois veremos.
ORADOR 1 - Veremos mesmo.
ORADOR 2 - Eles se encontraram pela última vez na sala de estar da mansão. (olha para o meio do palco)
Rir do absurdo daquela situação foi um convite muito bem aceito pelo público... e minha felicidade por ter podido retornar à linguagem que sempre gostei, o “teatro do absurdo”... A mini-peça teve uma carreira curta, mas foi montada novamente anos mais tarde (2005), sob a direção de Sabrina Caíres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário